samedi 12 mars 2011

Preenchendo a cidade com memórias

Depois de mais um dia super corrido, voltando da minha classe de especialização as 21:45h da noite, eis que percebo uma transformação naquilo que via pela janela do ônibus. A paisagem era a mesma: prédios, praças, ruas. Era eu que havia mudado. De repente me dou conta que aqueles espaços, agora já possuem uma história para mim. O parque onde estive com minha mãe, meu irmão, minha cunhada e Lucas, não é só mais um belo parque, é a memória de um momento muito agradável! O Micro Marché não é mais só um café/pub/atelier artístico, agora é repleto de histórias, é a memória viva da visita da minha amiga Bruna e tantos outros momentos especiais que lá vivi.
 
Interessante perceber como vamos preenchendo de histórias pessoais os espaços públicos, e como isso altera nossa percepção desses lugares.  Agora compreendi que habitar não é somente ocupar um espaço, mas sim apropriar-se dele como parte da sua história, preenchê-lo com memórias, descobrir detalhes que só fazem sentido para você e seu grupo de amigos, que estão lá, despercebidos dos outros, mas cheios de significados. Quantas memórias andam perdidas pela cidade?

Refletindo sobre o assunto, achei no santo Google uma tese de mestrado de Seomara Morais (2010) que fala sobre o Sentimento Psicológico de Comunidade (SPC).  Segundo a autora, o SPC pode ser definido:  “The perception of similarity to others, an acknowledged interdependence with others, a willingness to maintain this interdependence by giving to or doing for others what one expects from them, the feeling that one is part of a larger dependable and stable structure” (SARASON, 1974, p.157). Esse conceito refere-se ao sentimento de sentir-se fazendo parte de uma comunidade, sentir que é importante para essa comunidade e vice-versa, e que as necessidade pessoais podem ser supridas através dos recursos ofertados pela comunidade. Dentro do conceito de SPC, um dos elementos que o compõe é chamado pela autora de Ligações Emocionais Partilhadas e é com ele que mais me identifico. Este conceito pode ser traduzido como “sentimento de intimidade e conforto que decorre do compromisso e da crença de que os membros de uma comunidade partilham ou irão partilhar histórias de vida comuns, espaços comuns, tempo em conjunto e experiências similares” (MORAIS, 2010).

O que transforma a fria pedra que compõe os espaços públicos em lugar de conforto e intimidade? Nossas experiências, nossa vivências transbordam nossos corpos, imprimem-se nas construções, é a cidade que pulsa alimentada pela vida de cada um. Várias cidades coexistindo, cada olhar preenchendo com cores próprias o que é percebido. É a cidade outrora gélida e estranha que agora começa a ganhar novos contornos para mim, começa a fazer parte de minha vida, de minha história.

MORAIS, Seomara Mariana. Viver na Alta de Lisboa: o Impacto do Sentimento Psicológico de Comunidade e das Relações de Vizinhança no Bem-Estar. Instituto Universitário de Lisboa: Setembro, 2010.

vendredi 18 février 2011

Sobre o céu e o sol

É impressionante como existem coisas óbvias que nos passam despercebidas quando estamos imersas em um contexto já familiar para nós.  Por exemplo: a importância do Sol e do céu azul na nossa vida. Nasci e vivi ate o ano passado em Fortaleza, Ceará.  A “Terra do Sol” tem uma temperatura média de 25 a 28 graus, as estações do ano resumem-se em duas: verão e verão com chuva (LOPES®).  Passei a minha vida toda reclamando do calor. Continuo não gostando e me sentia de fato irritada ao me perceber às 10 horas da manha toda “preguenta”.

Sempre fantasiei que o clima na Bélgica seria perfeito. Inclusive as pessoas daqui ficavam espantadas quando a gente dizia que um dos motivos que nos trouxe à Europa foi o clima. Os belgas são loucos pelo Brasil e o sonho de consumo deles é uma temperatura média de 25 graus :-p.

Minha opinião sobre o clima se mantinha até que foi chegando o outono. Tudo ficando laranja, diferente. Começava a sair fumaça da nossa boca e tudo era uma deliciosa novidade. Até que o dia foi ficando cinza, e mais um dia cinza, outro dia cinza...

Um aviso aos brasileiros a caminho da Europa: o sol e o céu azul fazem MUITA falta. Eu que sempre gostei de dias chuvosos, me pegava com a mão para fora da janela na tentativa de aproveitar uma “réstia de sol”.

Sempre suspeitei que a depressão de inverno fosse mais uma “invenção” da modernidade e que seu tratamento era mero placebo. Agora começo a acreditar que ela de fato existe. Não que eu tenha tido depressão de inverno, mas de fato nosso humor fica bem alterado nessa época.

Basicamente, você sente mais vontade de dormir, dificuldade para acordar, vontade louca de comer chocolate e carboidratos, humor deprimido, fadiga persistente. 


A condição não está descrita no DSM-IV, mas já faz parte da rotina da clínica psiquiátrica. 

Comecei a refletir sobre essa questão, e mesmo com as causas ainda desconhecidas, acredito que não seja uma questão meramente neurobiológica. A psicologia ambiental já propaga desde o início do século XX a influência que o meio ambiente tem sobre nosso comportamento, emoções:


Existem coisas em nosso meio ambiente que obviamente não podemos mudar. Não podemos trazer o sol em dias nublados, mas podemos nos posicionar de uma forma diferente, escolher cores diferentes, compartilhar sorrisos e procurar fazer algo que nos deixe felizes (não necessiariamente comer chocolate). Parece clichê e piegas, mas no outono e no inverno não nos resta muitas opções e mesmo o chocolate sendo uma alternativa rápida, prática, fácil de carregar na bolsa e DELICIOSA (estamos falando de chocolates belgas!), as conseqüências podem ser trágicas (pesinhos  a mais, espinhas pelo rosto) e nada favoráveis a longo prazo.

Prefiro colocar um Chico Buarque no celular (sim, o Chico tem musicas felizes também http://letras.terra.com.br/chico-buarque/85838/ )  escolher uma roupa mais colorida e colocar um sorriso no rosto, sem lamentar-me se um dia ou outro cair na tentação do chocolate.

vendredi 28 janvier 2011

Espontaneidade

A idéia desse blog surgiu de um anseio por partilhar pensamentos, imagens, musicas e viagens que me surgem à mente em meio à correria cotidiana. Dentro do ônibus ou a pé, a cidade incita reflexões que muitas vezes se perdem na rotina, escoam pelo ralo, varridas pelo ”rodo cotidiano” (O Rappa).

Pois bem, na última quinta-feira, a caminho da minha aula de especialização em saúde mental, passo em frente ao Parc Royale. Incrustado no centro de Bruxelas, é freqüente ver pessoas corajosas e zelosas por sua saúde fazendo jogging. Confesso que sinto um pingo de inveja dessas pessoas que conseguem separar um tempo de sua vida pra isso. Às vezes também penso que só podem ser pessoas muito desocupadas para que estejam correndo no meio da tarde de uma quinta-feira. Invejo a sorte delas! Ou não...


 
Mas esse não é o tema deste post. Pensei nele ao recortar uma cena curiosa deste momento singelo. Um grupo de crianças estava chegando ao parque, logo ao pisar na entrada, obviamente puseram-se a correr.
                                   

O ato é o mesmo: correr, mas existe uma diferença considerável entre as duas ações. Um adulto pratica a corrida como parte de uma atividade do seu dia, algo planejado, inserido na sua agenda. É uma obrigação que pode até lhe dar prazer, pode até ser um momento em que ele se sente bem e em liberdade, mas está enquadrada dentro de regras, roupas específicas, tempo cronometrado, postura correta, respiração em um ritmo correto, alongamento antes e depois.


A criança sabe que não pode correr em qualquer lugar, mas quando ela percebe que está autorizada a correr não pensa na roupa, na respiração, no alongamento, na postura. Ela corre. E corre com um sorriso no rosto, não com a seriedade de quem está concentrado em uma atividade. Aliás, para a criança, correr não é uma atividade, é uma brincadeira. É o momento em que ela pode deixar fluir toda sua energia, ela interage com outras crianças (mesmo que não conheça), se diverte. Nesse momento ela não se sente livre, ela é livre, livre para agir com toda sua espontaneidade, com toda sua criatividade, sem sentir vergonha ou receios, afinal, seus pais autorizaram que ela corresse.

Pesquisando um pouco sobre a espontaneidade, não poderia deixar de me remeter a Jacob Levy Moreno:

Encontrei um texto interessante sobre ele em um site:

Nele, a autora explica que, segundo Moreno: A espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade são recursos inatos do homem. Desde o início ele traz consigo fatores favoráveis ao seu desenvolvimento, porém estes podem ser perturbados por ambientes ou sistemas sociais constrangedores.” E ainda: O homem nasce espontâneo e deixa de sê-lo devido a fatores adversos tanto do ambiente afetivo-emocional (Matriz de Identidade e átomo social), quanto do ambiente social em que a família se insere (rede sociométrica e social)”.

Pois bem, a sociedade nos impõe um engessamento, um enquadramento de nossas ações.  Obviamente que se queremos viver em sociedade temos regras a obedecer, temos formas de conduta, normas de comportamento. 

Não digo aqui para ninguém sair correndo loucamente pelas ruas da cidade, você pode ser preso ou internado. Mas fica a reflexão sobre de que forma estamos ocupando nosso tempo, e de que forma deixamos nos limitar, encarcerando nossa criatividade e nossas possibilidades de ação no mundo em regras determinadas socialmente. Não defendo a loucura, mas sim o desassossego, a energia criativa que nos permite não nos acomoda